Essa talvez seja a observação mais incomum que se possa fazer, a de que um número maior de conexões de internet seja causa ou efeito de mais democracia em um país. Mas construímos esta hipótese apoiados no conceito de Capital Social. E não é que parece haver uma correlação forte mesmo? O conceito de capital Social está baseado na capacidade de um grupo de realizar conexões livres e voluntárias entre si, para resolver um problema comum ou de outra(s) pessoa(s) ou simplesmente sem um objetivo específico senão a própria interação. O capital social é essa capacidade, ou melhor, essa facilidade de conexão. Como o Augusto de Franco diz, Capital Social é um conceito político que não pode ser medido com uma métrica específica, pois depende graus de separação, distribuição e conexão. Ou seja, rede! Se trata de pessoas e redes, uma espécie de “socialeza” para fazer um paralelo com a natureza. Se a natureza trata dos fenômenos naturais, a socialeza trataria de fenômenos sociais. Como dito por ele, “A interatividade não é o número de interações por segundo e sim a abertura à interação com o outro-imprevisível”.
Já falei antes, mas não custa repetir que estamos há algum tempo no Projeto Democracia trabalhando e estudando vários índices que possam medir a democracia de uma região. É um trabalho árduo onde ninguém ganha financeiramente nada com isso (o que para alguns amigos é um enigma). O fazemos porque achamos importante defender a democracia e para saciar uma curiosidade inerente à espécie humana. Buscamos fazer cruzamentos entre variáveis de fontes diferentes para buscar correlações interessantes e que não estejam muito claras, além de testar algumas hipóteses. Para isso trabalhamos com uma coleção de quase 20 índices de cerca de 200 países. Trabalhamos com índices como EIU Democracy Index da The Economist Intelligence Unit, com dados do V-Dem Varieties of Democracy da Universidade de Gotemburgo, da Freedom House, PNUD da ONU, Pew Research, Transparência Internacional entre outros.
Medir o Capital Social de um grupo tem se mostrado uma das coisas mais difíceis. Não existe um marcador objetivo para essa medida de rede. Quando buscamos os dados nos institutos de pesquisa o que encontramos normalmente são dados sobre liberdades civis (que tem uma grande correlação com democracia) mas que sozinhos não entregam tudo que buscamos, pois estão relacionados por exemplo a estado de direito, direito de organização e associação, direitos individuais, legislação, quando não outros mais ligados à questões econômicas. Ou seja, não conseguimos encontrar um levantamento completo de vários países sobre a interatividade livre e voluntária entre as pessoas. Então daí começa o levantamento de hipóteses para um levantamento por dados indiretos.
É aqui que entra a hipótese de que um número maior de IP (Internet Protocol) per capita seja um indicativo, um proxy de maior facilidade de conexão entre pessoas. Mais endereços IP per capita, maior possibilidade de conexões entre pessoas. E não é que parece haver uma correlação forte mesmo? Acompanhe no gráfico dinâmico linkado aqui:
1) Eixo x: EIU Democracy Index da The Economist Intelligence Unit, de 1,00 (menos democrático) a 10,00 (mais democrático);
2) Eixo y: Índice de Liberdades Civis da Freedom House, de 0 (menor liberdade) a 60 (liberdade plena);
3) Diâmetro da bolha: número de IP’s (Internet Protocol) per capita pela ip2location;
4) Cores das bolhas: Tipologia de Regime, de acordo com o estudo Regimes of the World 2016 do V-Dem Institute, divididos em Autocracia Fechada, Autocracia Eleitoral, Democracia Eleitoral, Democracia Liberal e Nulo (países não categorizados).

Dados do Brasil:
EIU Democracy Index: 6,970
Liberdades Civis: 47
IP’s per capita: 0,400
Regime: Democracia eleitoral
Conclusões:
a) O nível de democracia (eixo x) é total e diretamente dependente do índice de liberdades civis (eixo y), seja qual o instituto que busquemos. Neste caso, o Freedom House;
b) As tipologias de regime estão distribuídas, como era de se esperar de autocracias fechadas com menos democracia e menos liberdades civis até democracias liberais com maiores índices de democracia e maior liberdade civil, havendo fronteiras não muito definidas entre os regimes em relação aos índices por se tratar de parâmetros de institutos diferentes;
c) O MAIS INTERESSANTE: os países mais democráticos e com mais liberdades civis são, via de regra, os países com maior IP per capita. Isso talvez seja mais um indício do que uma conclusão, mas é muito importante. Maior conexão pode levar a mais liberdade e democracia, ou uma outra relação de causa e efeito a respeito destes três marcadores. A grande maioria dos países com IP per capita alto são Democracias Liberais. Isso também pode explicar a outra ponta, onde autocracias se preocupam cada vez mais em restringir o acesso à internet.
É uma conclusão importante mas não suficiente. Já observamos essa ligação entre Democracia, Liberdade Civil e Conexão per capita. Ainda temos muito a explorar, investigar e aprender. Seguimos.